Intervenção do Secretário-Geral da CGTP-IN, Arménio Carlos, na Conferência Internacional no 50.º aniversário da aprovação pela ONU dos pactos internacionais de direitos que decorre em Lisboa, na Faculdade de Direito, entre os dias 10 e 12 de Novembro
CONFERÊNCIA INTERNACIONAL
PACTOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS
Lisboa, 10 a 12 de Novembro
Intervenção do Secretário-Geral da CGTP-IN
A CGTP-IN considera muito importante esta Conferência, pelo tema em si e pelo momento em que é realizada. Valorizamos o Pacto internacional sobre os direitos económicos sociais e culturais na medida em que engloba uma visão ampla e integrada dos direitos e das liberdades individuais, incluindo as que são vitais para o mundo do trabalho, como o direito ao trabalho, o direito de associação sindical, o direito de contratação colectiva e o direito à segurança social.
Portugal ratificou o Pacto em 1978, quatro anos depois da Revolução que numa manhã primaveril nos restituiu a liberdade e a democracia e dois anos decorridos sobre a aprovação da nossa primeira Constituição depois do 25 de Abril. Constituição que se insere no espírito dos Pactos quando faz a ligação entre direitos e a dignidade das pessoas e quando atribui ao Estado o dever de os materializar. Uma Constituição que, apesar de mutilada por várias revisões, continua a inscrever no capítulo dos direitos fundamentais, os direitos económicos, sociais e culturais.
A concepção de que estes direitos fazem parte integrante dos direitos humanos e que o Estado tem a responsabilidade de os concretizar, tem sido sujeita à erosão resultante das políticas neoliberais e dos poderes ideológicos que não ensejam esforços para legitimar a sua acção, incluindo junto daqueles que são as suas principais vítimas.
Os valores afirmados ou subjacentes a declarações ou instrumentos normativos progressistas – incluindo a Declaração de Filadélfia, o Pacto, convenções fundamentais da OIT e a Carta Social Europeia – bem como os direitos em concreto neles estabelecidos, têm sofrido uma ofensiva brutal do capital:
A pretexto da competitividade, insistem na redução dos salários, no esmagamento dos direitos laborais e sociais e no enfraquecimento da contratação colectiva;
Proclamam o “menos Estado” para os povos, que se traduz em mais Estado para o capital;
Denunciam a “rigidez” do mercado de trabalho, para desregular as relações laborais e aumentar a exploração;
Promovem as chamadas “políticas activas de emprego”, para financiar os patrões, generalizando a precariedade;
Reclamam dos custos indirectos do trabalho, para reduzir a TSU e debilitar a segurança social;
Mais recentemente em Portugal, a troika e o anterior governo PSD/CDS defenderam a “liberdade de escolha” como arma de arremesso para atacar os serviços públicos e abrir as portas aos negócios dos privados.
O mesmo governo, com a mesma troika que, ao abrigo de um Programa de Assistência, apelidado de ajuda, violou direitos fundamentais, promoveu a recessão, generalizou as desigualdades e aumentou a pobreza. Segundo um Relatório do Conselho da Europa, publicado em 2013, que analisou estas medidas, distinguem-se quatro áreas com impacto no exercício dos direitos humanos: cortes orçamentais orientados para a despesa social, em domínios como a segurança social, a saúde e a educação; reformas dos regimes fiscais com impactos regressivos; reformas das leis laborais que, designadamente, facilitaram os despedimentos e enfraqueceram a contratação colectiva, com a caducidade das convenções e o enfraquecimento do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador; reformas nos sistemas de pensões, com cortes em prestações e o aumento da idade de reforma, entre outras medidas.
A contradição e hipocrisia da U.E. fica patente quando assistimos, pela mão de Junker e Holland, à existência de compromissos secretos que manipularam e adulteraram o valor do défice francês, enquanto permanecia a chantagem e as ameaças de suspensão de fundos que são devidos a Portugal. Esta situação confirma uma política de dois pesos e duas medidas na U.E.. Uma política de sanções para os países mais pequenos e de subordinação para os considerados demasiado fortes para atacar. Não só, mas também por estes factores, a U.E. está cada vez mais descredibilizada, mais afastada dos anseios populares, funcionando à margem e ao arrepio das declarações e instrumentos normativos progressistas que já identificámos.
É neste contexto que a Comissão Europeia lança o Pilar Europeu dos Direitos Sociais. Trata-se de uma ideia apelativa no sentido de que, argumenta-se, a UE reforçaria a sua dimensão social. No entanto, se atendermos ao processo que está na sua génese – o aprofundamento da União Económica e Monetária; a natureza das políticas neoliberais (com epicentro nas “reformas estruturais”) que vêm a ser seguidas pelas autoridades europeias; e a negociação de Tratados Internacionais como o TTIP e o CETA, rapidamente verificamos que mais uma vez os direitos sociais são subjugados aos interesses económicos e financeiros.
Uma situação inaceitável depois de tudo aquilo que se passou, nomeadamente em Portugal e na Grécia. Porque temos memória, relembramos que o Conselho da Europa considerou que as medidas de “austeridade” tomadas neste país violaram direitos sociais fundamentais enquanto o Comité de Liberdade Sindical da OIT concluiu ter havido violação de várias Convenções, incluindo as número 87 e 98 sobre a liberdade sindical e o direito de contratação colectiva. Por sua vez, o já citado Relatório do Conselho da Europa de 2013, indicou haver vários casos de violação dos direitos económicos, sociais e culturais, bem como dos direitos civis e políticos, em vários países; alertou para os custos sociais decorrentes e para o impacto no sistema de protecção dos direitos humanos; e fez um conjunto de recomendações que, na sua esmagadora maioria, continuam por concretizar.
Estas posições e estes alertas não impediram que a política de “austeridade” fosse prosseguida; não impediram que em 2015 o povo grego fosse humilhado; não impediram que a U.E continue a pressionar Portugal para não reverter as medidas de “austeridade”, a criticar o aumento do salário mínimo nacional, a persistir na destruição da contratação colectiva, bem como na redução da despesa com a segurança social e a saúde. Em suma, as mesmas políticas são hoje prosseguidas a nível europeu, ainda que num plano diferente, com o Programa de Estabilidade, o Semestre Europeu e o Tratado Orçamental.
Tal como Juan Somavia, antigo director geral da OIT afirmava em 2011, “o respeito dos princípios e direitos fundamentais no trabalho não são negociáveis nem mesmo em tempo de crise.”
Num quadro em que está na ordem do dia a discussão sobre impactos da digitalização da economia, é fundamental que todos aqueles que lutam pelo progresso e justiça social combatam os que insistem na inevitabilidade da massificação do desemprego e de uma maior desregulação do trabalho, com a substituição da relação de trabalho entre trabalhador e patrão, pela de prestador de serviços e clientes, pondo em causa os Pactos e direitos fundamentais sobre os quais necessariamente se tem de alicerçar a nossa sociedade.
Com mais riqueza produzida, com novas tecnologias e melhor força de trabalho, tem de haver outra distribuição da riqueza, a criação de emprego de qualidade e a promoção de políticas de desenvolvimento económico que combatam as assimetrias e assegurem a harmonização social nos diferentes países. O futuro do trabalho tem de passar pelo trabalho com futuro!
Este é o caminho que pode evitar resultados como os das eleições nos EUA, que têm na sua origem o descontentamento resultante de expectativas políticas que foram frustradas e a inexistência de um projecto alternativo credível susceptível de ir ao encontro das necessidades e anseios do povo americano!
A aposta na candidatura que representava o “mal menor” acabou por se transformar num “mal maior”! O mundo que até aqui estava preocupado, tem razões para agora ficar angustiado!
Este é um processo que confirma a importância de uma maior intervenção das forças progressistas no sentindo de, não só, salvaguardar os Pactos e os direitos que eles consagram, como lutar contra tentativas que visem o retrocesso social e laboral e que ponham em causa a paz mundial.
Terminamos afirmando que não é admissível que, 72 anos depois da Declaração de Filadélfia, elaborada em plena segunda guerra mundial, compromissos como: o “pleno emprego”; ou entre outros “o acesso de todos a cuidados de saúde e à protecção social” continuem por cumprir. É tempo de assumir que “o trabalho não é uma mercadoria”; e que “a pobreza, onde quer que exista, constitui um perigo para a prosperidade de todos”!
Lisboa, 10 de Novembro de 2016