Intervenção de Isabel Camarinha - 27 de Maio

Camaradas,

O desaguar neste largo do protesto e reivindicações que enchem o caudal da luta que se tem desenvolvido em cada empresa e local de trabalho, no sector público e privado, tem de ser escutado, tem de ser atendido, tem de ter respostas!

Saudamos assim todos os que se organizam e mobilizam e, unidos, lutam pelas soluções que faltam para os problemas que crescem.

Saudamos de forma particular os trabalhadores que estão em luta, os reformados e pensionistas, as mulheres e os jovens que, com a sua acção, dão força à criação das condições para que seja possível viver e trabalhar no nosso país.

No Orçamento e para além dele faltam as medidas que exigimos e que são possíveis e necessárias.

Exigimos que o aumento dos salários não seja mais uma vez negado. O Governo não pode continuar a ir ao bolso dos trabalhadores, ano após ano há mais de uma década, é sempre a perder. Perdem poder de compra os trabalhadores do sector público. Perdem os do sector empresarial do Estado e, ao contrário do que alguns querem fazer crer, perdem também os do privado, com o patronato aproveitar o mau exemplo do Estado.

Não pode ser, os trabalhadores não podem continuar a perder!

Exigimos a defesa e melhoria dos serviços públicos e das funções sociais do Estado, na educação, na protecção social, na cultura, na justiça e na saúde. A degradação destes serviços só serve o capital, que vê na resposta que o Estado não dá uma oportunidade de negócio. Onde falta o SNS para promover a saúde, aparece o negócio privado da doença; onde falha a escola pública aos filhos dos trabalhadores surge o colégio privado para os filhos dos patrões; quando é pouca ou nenhuma a protecção social, lá vem o seguro privado.

É de democracia que falamos, da igualdade que exigimos, dos direitos que conquistámos e que queremos ver efectivados e que não podem ser secundarizados em nome da absolutização do défice.

A obsessão pela redução do défice tira nos salários da AP, tira no investimento público, tira ao Poder Local e só serve para aumentar as assimetrias e desigualdades sociais e regionais.

O Governo quer voltar a ser o campeão da contenção. Uma política de décadas cujos resultados são já conhecidos: que nos afasta da prometida convergência com as médias da União Europeia; que cria maior dependência económica;

salários que se aproximam cada vez mais dos países onde menos se ganha; vidas que se adiam, famílias que se afastam, sonhos e objectivos que nunca se concretizam.

A cegueira do défice, a transformação em objectivo máximo daquilo que é um instrumento político e da política, já deu provas que não serve os trabalhadores, não serve os pensionistas e reformados, não serve as populações nem o país.

Anos depois, aí está de novo o “bom aluno”, a receber as lições da contenção da despesa que a Comissão Europeia receita.

Mas sabemos bem que a despesa pública na satisfação das necessidades das populações, na elevação das qualificações, na garantia dos direitos, não é um custo, é um investimento, não é uma benesse, é obrigação constitucional, não é uma ameaça, mas antes uma condição central para o desenvolvimento.

O foco dos alertas que vêm lá de fora e as opções dos sucessivos governos, visam sempre os salários e o investimento público, mas nunca referem o que se gasta na especulação dos juros que todos os anos leva mais de seis mil milhões de euros, ou os contratos leoninos das PPP que para garantir o lucro aos grupos económicos custam mais de mil milhões ao ano, ou os benefícios fiscais que aproveitam as grandes empresas, ou sequer as avenças e prestações de serviços contratualizados fora e que podem e devem ser feitos pela Administração Pública.

Faltam respostas no OE, mas faltam também nos outros instrumentos que reflectem as opções do Governo.

A situação que hoje se vive em Portugal exige outra política.

O número de trabalhadores em situação de pobreza atingiu os 525 mil. São mais de meio milhão de pessoas que, mesmo trabalhando, não conseguia para si e para a sua família um rendimento superior a 554€ mensais.

Temos 40% dos jovens, os tais da “geração mais qualificada de sempre”, que levam ao final do mês 627€ para casa e 2,7 milhões de trabalhadores têm uma remuneração base inferior a mil euros.

As mulheres ganham menos que o já magro salário que os homens auferem e quem tem um vínculo precário recebe menos 40% que um trabalhador com vínculo efectivo.

Porque ganham menos, porque estão mais desprotegidos, a precariedade é uma aposta do patronato, que faz com que nos primeiros três meses deste ano, 70% do emprego criado tenha sido com vínculos precários, uma percentagem idêntica ao total do emprego criado em 2021.

O rol de números que reflectem as dificuldades por que passam os assalariados poderia continuar e com eles as necessidades que ficam por satisfazer, algumas básicas, e se espelham de forma lapidar no ignóbil confronto com a pobreza que afecta uma em cada cinco crianças no nosso país, porque pobres são os seus pais!

Se já era insustentável viver com os baixos salários e pensões antes, como podemos fazer face às despesas que aumentam todos os dias?

Como vamos pagar a renda ou prestação da casa, os combustíveis para chegar ao trabalho, a electricidade, a comida, o vestuário, as comunicações?

Expliquem, os que defendem e determinam a contenção salarial para não provocar a tal “espiral da inflação”, os que nada fazem para travar a especulação, os que se recusam a impor limites dos preços dos bens e serviços essenciais que a agiotagem, os lucros e os dividendos fazem subir, como se pode viver nesta situação e que país querem.

Mais salários, são mais vendas, mais produção, mais dinâmica da economia, mais receita fiscal, mais e melhor emprego, mais contribuições para a segurança social.

Menos salários, é o aumento da exploração e das desigualdades, é mais retrocesso social e maior degradação das condições de vida. É tudo em pior, mantendo-se a inflação que nada tem a ver com um descontrolo no consumo e continuando a subir apenas os lucros dos grandes grupos económicos.

Por isso, no 1º de Maio reforçámos a reivindicação de que em 2022, todos os trabalhadores tenham um aumento de 90€ no seu salário. 90€ para os que já tiveram aumentos este ano e que já viram esse aumento ser engolido pela inflação. 90€ para aqueles que tendo o mesmo salário do ano passado, compram hoje menos bens e acedem a menos serviços, devido à inflação.

Tem de ser camaradas, para os do público e do privado, para os que trabalham no sector empresarial do Estado e no sector social, o aumento em 90€ é hoje uma emergência nacional!

Uma emergência nacional que tem de ter resposta também ao nível do SMN. Quem ganha o SMN nacional tem hoje menos poder de compra que há um ano. Assim se vê a propaganda do governo, que apelidou de histórico um aumento que já não era suficiente e agora foi todo comido pela subida do custo de vida.

O SMN tem de ser fixado nos 800€, já a 1 de Julho, para que estes trabalhadores não continuem a perder e a empobrecer!

E, para quem trabalhou a vida inteira, que deu o melhor do seu tempo à criação da riqueza e ao desenvolvimento, o governo tem de actualizar as pensões e reformas garantindo que não há perda do poder aquisitivo e num mínimo de 20€, garantindo que os medicamentos não ficam por comprar, que a refeição não vai faltar, que as necessidades não vão ser sacrificadas.

São estruturais os problemas do país e não serão resolvidos com as medidas assistencialistas deste OE, nem com os paliativos que o Governo apresenta na denominada “Agenda para o trabalho digno”, nem com a manutenção de uma política que há muito vem fragilizando os trabalhadores nas relações laborais.

Se é certo que ao nível do SMN e para os trabalhadores do sector público o governo tem a obrigação de responder às nossas reivindicações, no sector privado terá de ser pela via da negociação da contratação colectiva que o aumento os salários e a garantia e conquista dos direitos terá de ser efectivada.

Por isso, quando vemos e analisamos a Agenda para o trabalho digno, procuramos e procuramos onde está prevista a revogação da norma da caducidade, onde está o compromisso para reintroduzir o princípio do tratamento mais favorável, onde está expressa a vontade de acabar com a precariedade dos vínculos que se transporta para a insegurança na vida. Procuramos onde é formulada a necessidade de regular horários e reduzir o tempo de trabalho, fazendo dos avanços da ciência e da tecnologia um factor de progresso social para os trabalhadores. Procuramos, mas não encontramos, porque a agenda que nos é apresentada passa ao lado das questões centrais para dignificar o trabalho e os trabalhadores. Mas vamos continuar a nossa luta, vamos continuar a propor e a exigir

A contratação colectiva, com a revogação das normas que servem a chantagem patronal, é um direito que conquistámos a pulso, com muita luta. Um direito que abre as portas aos direitos e aos salários, à valorização das carreiras e das profissões, às condições de trabalho e de vida.

Um direito dos trabalhadores que o grande patronato e os partidos da política de direita sempre quiserem atacar.

É a opção do governo em não afrontar práticas e interesses do grande patronato que está plasmada na dita Agenda, que para além de tudo isto que lhe falta, ainda avança com formulações que colocam em causa a liberdade sindical, tentando condicionar a actividade dos sindicatos nas empresas.

Mas será em cada local de trabalho, em cada sector de actividade, que a luta organizada e em unidade dos trabalhadores conquistará direitos e assegurará a resposta aos problemas e reivindicações.

Sim, camaradas, é tempo de nos organizarmos e lutarmos pelo presente e o futuro a que temos direito, para travar a roda da exploração que o capital tem em marcha. Uma acção que o governo PS assume e que o PSD, o CDS, o CHEGA e Iniciativa Liberal procuram intensificar.

Hoje, com esta concentração iniciamos uma grande Acção de Luta Nacional. O caudal de protesto que aqui hoje trazemos vai engrossar com a luta a desenvolver durante que todos os dias do mês de Junho, nas empresas e serviços, no sector público e privado, cabendo aos trabalhadores em cada local de trabalho, unidos e organizados, exigir com a luta a resposta às suas justas reivindicações e as soluções para os problemas dos trabalhadores, do povo e do país, convergindo no início de Julho numa grande acção Nacional em Lisboa!

Porque temos confiança no poder transformador da força e da unidade dos trabalhadores, porque queremos construir outro futuro, porque sabemos que os direitos dos trabalhadores são condição imprescindível para o desenvolvimento, o progresso e a justiça social,

Vamos à LUTA!

VIVA A CGTP-IN!

A LUTA CONTINUA!

Lisboa, 27 Maio 2022