Só a luta organizada dos trabalhadores, poderá assegurar os direitos dos trabalhadores no teletrabalho
A Lei nº 83/2021, de 6 de Dezembro, introduz alterações profundas no regime de teletrabalho, actualmente previsto no Código do Trabalho, contudo, os graves problemas que o regime anterior suscitava e que foram objecto de contestação, ao longo do último ano e meio, não foram resolvidos nesta lei.
Quem aprovou esta lei, optou por adiar, uma vez mais urgentes, questões que a publicação de um regime de teletrabalho exigiria, bem como as imprecisões e ambiguidades em algumas das áreas mais importantes e repetidamente sentidas pelos trabalhadores e pelas suas organizações representativas.
A possibilidade de admissão de um trabalhador na condição de trabalhador à distância, transformando a relação de trabalho, numa relação laboral totalmente descaracterizada, é para a CGTP-IN inaceitável. Este problema não é resolvido com uma mera obrigatoriedade de deslocação às instalações da empresa a cada 2 meses.
Com esta legislação abre-se a porta ao teletrabalho com duração indeterminada, salvaguardando-se, contudo, a sua reversibilidade através do direito á denúncia a partir do 60.º dia. Não obstante, e dado o desequilíbrio de forças que caracteriza as relações de trabalho, nomeadamente a precariedade dos vínculos, torna muito difícil a um trabalhador usufruir do direito à reversão para posto de trabalho físico.
É importante apontar a possibilidade de ser o trabalhador a adquirir os equipamentos de trabalho, não se entendendo se, nesse caso, o trabalhador recebe algum montante adiantado para o efeito. A suceder o previsto no artigo 168.º n.ºs 1 e 2 da Lei, a implementação do teletrabalho estará a prejudicar e a discriminar o trabalhador em teletrabalho, que poderá ter de adiantar as verbas necessárias à aquisição dos equipamentos e outros factores como energia e telecomunicações, ao contrário do que sucede com os seus colegas em regime presencial.
Para a CGTP-IN é também insuficiente a forma como está prevista a regulação da compensação por despesas efectuadas pelo trabalhador, apenas se prevendo, a compensação de despesas relacionadas com os equipamentos informáticos e telemáticos, bem como os acréscimos de despesas com energia, internet e comunicações móveis. Todas as outras ficam de fora, tais como o mobiliário, os consumíveis, a água, manutenção de instalações e outros equipamentos de apoio. Para a CGTP-IN, o teletrabalho constitui uma forma de prestação do trabalho mais onerosa que deveria ser excepcional e tal como nos casos do trabalho por turnos ou nocturno, deve ser prevista uma compensação acessória adicional, independente de comprovação de despesas, não permitindo a transferência de custos que são das empresas para os trabalhadores.
Sendo importante a regulamentação do exercício dos direitos relativos à liberdade sindical, quer a do trabalhador, quer a liberdade de afixação electrónica da informação, a CGTP-IN entende que, em teletrabalho, deve prever-se que os equipamentos informáticos possam ser utilizados, pelo trabalhador, para a actividade sindical, seja como trabalhador, seja como representante. Realidade que também não é garantida nesta lei.
A presente Lei também não resolve os problemas relativos ao isolamento do trabalhador, à extrema individualização da relação de trabalho e dos efeitos que tal, necessariamente, assumirá na vida do trabalhador, desde os efeitos psicossociais muito previsíveis, à degradação que sofrerá nas suas condições de trabalho pelo simples efeito do distanciamento físico.
O artigo 169.º prevê a igualdade de direitos, contudo, como já o provámos, são diversos os aspectos em que tal não sucede. O trabalhador em regime de teletrabalho tem um acréscimo de despesas que não é totalmente compensado, pois desconsideram-se todas as despesas infra-estruturais que recaem sobre o trabalhador e das quais se liberta a entidade patronal; este trabalhador pode ter de adiantar o dinheiro correspondente às despesas, ao contrário dos seus colegas em regime presencial, o espaço doméstico e familiar é “invadido” pelo trabalho, tornando a sua casa numa extensão das instalações patronais.
Concluindo, a gravidade dos problemas que o teletrabalho encerra e a incapacidade revelada pelo governo para os resolver e acautelar, é por si só motivo – se outros não existissem – para uma forte mobilização nos locais de trabalho contra a aplicação, que se prevê problemática, desta Lei. Neste quadro, a acção reivindicativa e a negociação colectiva assumem um papel absolutamente fundamental na superação dos problemas que o regime actual levanta, bem como para a conquista de direitos dos quais, de outra forma, os trabalhadores não usufruirão.
A informação e esclarecimento dos trabalhadores é outra das vertentes de grande importância, uma vez que, no estado actual, a maioria não está consciente das verdadeiras ameaças que o teletrabalho assume para as suas condições de trabalho, para mais, enquadrado por este regime, na medida em que constitui um factor poderoso de afastamento, isolamento e desfasamento em relação aos restantes trabalhadores e ao posto de trabalho físico, constituindo esta Lei mais um passo num caminho que visa o desenraizamento e a ruptura dos laços sociais entre os trabalhadores.
Por tudo isto, o único caminho só pode ser a luta por melhores condições de trabalho e de vida, pela dignificação do trabalho garantindo desde logo a igualdade de tratamento em situação de teletrabalho e em regime presencial, no cumprimento escrupuloso do horário de trabalho, na obrigatoriedade do pagamento de todas as despesas, na garantia do exercício de todos os direitos sindicais.
DIF/CGTP-IN | Lisboa, 03.12.2021